domingo, 27 de março de 2016

A Bíblia é Capitalista ou Socialista?

"De ninguém cobicei prata, nem ouro nem roupas. Vós mesmos sois testemunhas que estas mãos trabalharam para suprir minhas necessidades e as de meus companheiros. Por meio de todas as minhas realizações, tenho-vos mostrado que, mediante trabalho árduo, devemos cooperar com os necessitados, lembrando as palavras do próprio Senhor Jesus: ‘É mais bem-aventurado dar do que receber’”. Atos dos Apóstolos  20: 33 a 35 - Bíblia KJA Offline

A Bíblia ensina o capitalismo ou o socialismo? Antes de entrar nessa discussão, precisamos avaliar brevemente a essência de cada um desses termos.

A definição de capitalismo e socialismo como sistemas sociais ganharam contornos através da obra de Marx e Engels em meados do século XIX. Esses pensadores viveram após a Revolução Francesa, influenciados pelos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade - que foi o moto desse movimento - e após a Revolução Industrial, a qual trouxe riquezas e desenvolvimento, mas também muita opressão da classe trabalhadora. Até então capitalista era um termo usado para um grupo de pessoas detentores do capital, e o comunismo era uma definição muito radical para a época, pois estava associado a certos movimentos fundamentalistas.

Para Marx e Engels, o socialismo através da luta de classes, pela ausência da propriedade privada (em parte) e pelo controle dos meios de produção através do proletariado, evoluiria até um auge social, ao qual definiram: "De cada conforme sua habilidade para cada conforme a sua necessidade". Essa definição será importante mais a frente. Observavam que a sociedade tinha uma origem capitalista, mas que estava em transformação até atingir esse ideal. Considerando que segundo eles a humanidade é uma eterna luta de classes, o próprio capitalismo foi um processo libertador do feudalismo, dando origem a burguesia, hoje tão combatida pelo socialismo.

No capitalismo, o fundamento é a regra da mais-valia, ou seja, a busca de lucro que vem do excedente entre as despesas com trabalhadores e os custos da produção, e o ideal seria suprir as necessidades do detentor do capital e da propriedade, e também dos trabalhadores envolvidos nesse labor. O restante seria reinvestido novamente na produção e novas tecnologias, gerando riquezas para todos em um ciclo virtuoso.

A diferença básica entre esses dois sistemas é que para o socialismo, esse controle deveria ser centralizado e comandado pelo estado. Para o capitalismo, deveria ser pelos detentores dos meios de produção, o chamado laissez-faire que literalmente significa "deixar fazer", o que é o tal liberalismo econômico. Na visão liberal, os meios de produção no controle privado alcançariam naturalmente um equilíbrio econômico e autossustentável, e quanto menor a interferência do estado, melhor.

Só a titulo de observação, o Brasil é uma espécie de híbrido desses dois modelos, a chamada economia mista, com muita interferência do Estado, mas com certa liberdade para a iniciativa privada.

Então podemos dizer que os termos capitalismo e socialismo são convenções históricas para explicar esse movimento de acúmulo de riquezas e a distribuição delas. Os dois buscam um tipo de sociedade ideal, cada um pelo seu caminho, os quais nunca se encontraram e nunca vão se encontrar sem uma compreensão do que é o coração do homem.

Voltemos ao texto de Atos. Paulo começa dizendo: "De ninguém cobicei prata, nem ouro nem roupas". Aqui está a chave para entendermos a luta de classes e o porquê do conflito sem fim entre os dois modelos de produção. O motivo é a cobiça que está no coração do homem. Pena que Marx não dava atenção para a Bíblia! Teria entendido melhor a motivação humana para o interesse ora no acúmulo exagerado, ora na divisão forçada do capital do trabalho do outro.

Paulo não cobiçava, ao que disse: "Vós mesmos sois testemunhas que estas mãos trabalharam para suprir minhas necessidades e as de meus companheiros". Observe que o que ele tinha vinha do fruto do seu trabalho, suprindo a sua necessidade, e produzindo além para suprir a necessidade dos seus companheiros (os reformadores viram aqui o princípio da poupança). O que Paulo tinha não era fruto da exploração de trabalhadores, nem da especulação no mercado financeiro, nem do lucro exagerado, nem do fruto da divisão socialista do trabalho alheio, nem da ação do sindicato sobre o patrão, nem da invasão de terras alheias, nem de alguma bolsa do Império Romano. Era o seu trabalho, somente o seu, feito pela graça de Deus, como define em outro momento. Poderíamos ousar conceituar isso em termos atuais como uma espécie de capitalismo social cooperado?

Na sequência diz: "Por meio de todas as minhas realizações, tenho-vos mostrado que, mediante trabalho árduo, devemos cooperar com os necessitados, lembrando as palavras do próprio Senhor Jesus: ‘É mais bem-aventurado dar do que receber’”. Podemos inferir aqui um modelo de sociedade ideal, que transcende as conjecturas do debate capitalismo-socialismo. O segredo está no trabalho árduo de cada um, sem ser pesado para ninguém, não buscando viver do trabalho alheio, mas vivendo dos próprios negócios, seja ele autônomo ou assalariado e da sobra ajudar os necessitados até o equilíbrio social. Obervemos que a ajuda parte de dentro do indivíduo para o coletivo, como atitude voluntária, não forçada. Da mesma forma que a cobiça vêm de um coração egoísta que ora quer acúmulo de riquezas além do necessário (capitalismo), ou a divisão do trabalho alheio por imposição e luta (socialismo), o correto uso dos bens e o seu compartilhamento vêm de um coração justo é voluntário. A evolução desse modelo atingiria o ideal de sociedade, o que nem o capitalismo nem o socialismo conseguiram em toda sua história. Mas para alcançar isto, só através de um novo coração e mente, fruto de um novo nascimento em Cristo, pela Palavra e pelo Espírito, que leva a atitudes pessoais e sociais diferentes.

Finalizando, é um estágio muito melhor o dar do que o receber, como disse Paulo: "... lembrando as palavras do próprio Senhor Jesus: ‘É mais bem-aventurado dar do que receber’”. Aqui um segredo para a felicidade: dar ao invés de receber. Se os capitalistas entendessem isto, o coração não seria avarento, não cobiçariam tantas riquezas além do que precisam. Usariam seus recursos com racionalidade, sem explorações e nem especulações, e ainda viveriam muito bem, com sobras. Se os socialistas entendessem isto, se dedicariam mais ao seu trabalho, sem cobiçar a renda do trabalho alheio, evitariam as lutas e através deste princípio buscariam seu espaço através do seu trabalho e desenvolvimento, e se organizariam como Paulo, ou seja, trabalhariam tanto para si quanto para sobrar para os companheiros, termo que usam também.

Então, a Bíblia é capitalista ou socialista? Na verdade ela transcende esses conceitos, o seu princípio é mais amplo. Ela fala de uma nova sociedade, a sociedade do Reino de Deus, que tem valores próprios, o que é enxergado apenas pelo lado de dentro.

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